terça-feira, 28 de maio de 2013

Brasil precisa tomar partido em conflito colombiano, diz Marcha Patriótica

Porta-voz do movimento político colombiano sugeriu que governo brasileiro poderia estar respaldando política de Santos

O movimento político colombiano Marcha Patriótica espera um posicionamento mais “proativo” do governo brasileiro diante do conflito histórico entre o governo da Colômbia e as guerrilhas das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e ELN (Exército de Libertação Nacional). David Flórez, porta-voz do movimento, afirmou em entrevista a Opera Mundi que "não está muito claro se (o governo brasileiro) está pela paz ou se respalda a política de Santos”, afirma.


Efe (19/05/2013)
Iván Marquez, líder das FARC na negociação de paz com o governo colombiano em Havana

Flórez e outros membros da coalização política e social da qual faz parte a ex-senadora Piedad Córdoba estiveram em Porto Alegre nos dias 24, 25 e 26 de maio como convidados do Fórum Pela Paz na Colômbia, realizado na Assembleia Legislativa do Estado gaúcho. O evento recebeu grupos de militantes sociais da Argentina e do Uruguai que enfrentaram quase 24 horas de ônibus até a capital do Rio Grande do Sul. Por outro lado, a participação de brasileiros foi tímida.

Atualmente, o governo e as guerrilhas estão em processo de conversações mediadas por Cuba, Noruega, Venezuela e Chile para obter um acordo de paz que ponha fim ao confronto armado que, além dos milhares de mortos, desaparecidos, provocou o deslocamento interno de 4 milhões de pessoas e faz com que a Colômbia seja considerado o quinto país mais violento do mundo pela ONU (Organização das Nações Unidas).

Representantes de organizações sindicais e partidos políticos de esquerda de outros países, como México, Paraguai, Venezuela, Espanha e, claro, Colômbia, debateram durante três dias o conflito que já se estende por quase 50 anos no país. O resultado foi uma declaração final na qual, entre outras medidas, pedem a restituição dos direitos políticos de Piedad Córdoba, ex-senadora cassada por suspeita de ligação com as FARC, e se comprometem a criar um forte movimento continental para respaldar o processo de paz na Colômbia. Piedad, que lidera um grupo chamado “Colombianos e colombianas pela Paz” e negocia a liberação de reféns pelas guerrilhas, era esperada no evento, mas viajou a Quito para a posse do presidente Rafael Correa e conversou via Skype com os participantes do fórum.

OM: A Marcha Patriótica vê com otimismo as negociações em Havana?
David Flórez: Sim, mas também analisamos com responsabilidade o tema nos termos políticos. Acompanhamos e apoiamos o processo de paz, mas propomos elementos que consideramos que precisam ser melhorados para existir um acordo. E um deles é a participação da sociedade no processo de diálogo e construção da paz. Nós não somos contra a presença dos empresários, militares e setores de muito poder político e econômico na mesa. Isso nos parece correto porque significa que eles têm compromisso político. O que somos contra é que esses setores participem das conversas, mas outras partes importantes da sociedade fiquem de fora, como os trabalhadores, os camponeses. Se o tema agrário está em pauta, por exemplo, o mínimo que esperaríamos é que as organizações de camponeses fossem escutadas.

OM: O senhor acredita que um bom acordo de paz será alcançado?
DF: Ainda faltam esforços maiores. Do jeito que está, provavelmente as vozes governistas vão se impor e o governo utilizará qualquer desculpa para sair da mesa. Não gostaria de ser tão enfático, não é tanto. Mas há duas partes na mesa que têm comportamentos diferentes: a insurgência diz claramente que não deixará a mesa de diálogo, que quer a participação dos movimentos sociais, mas a atitude contrária vem sendo do governo nacional. Então, nessa medida, o que nós estamos dizendo é mais do que ‘isso vai fracassar’, estamos fazendo um esforço muito grande para deixar claro que se esses elementos não forem mudados poderão levar as conversas ao fracasso.

Gabriel Munhoz/Opera Mundi
David Flórez, da Marcha Patriótica, defende uma maior participação da sociedade no processo de diálogo e construção da paz

OM: O senhor acredita que, caso a esquerda vença as eleições de 2014, o caminho pode ser facilitado?
DF: Nós sustentamos que a paz não pode depender da agenda eleitoral. A paz precisa ser um compromisso do Estado colombiano. Porque se você jogar dessa forma, diretamente ligado à agenda eleitoral, estará muito ligado se, nesse momento, se considera eleitoralmente rentável apostar pela paz ou não. É certo que, caso haja um governo alternativo, ele pode desenvolver um processo de paz diferente. Atualmente, o panorama não é muito claro na medida da atual configuração do regime político colombiano que impede a participação direta e com garantias de um amplo espectro da sociedade colombiana que se identifica com a esquerda ou com organizações políticas que têm trajetória na esquerda.

OM: em 2012, Santos disse sim à negociação. Agora, há poucas semanas, ele confirmou que tentará a reeleição em 2014. Não parece que sim, o processo de paz está ligado à agenda eleitoral?
DF: Claro, em princípio, há uma agenda eleitoral de Santos sobre sua reeleição que coloca como elemento fundamental o processo de paz. No entanto, o certo é que o discurso de Santos é sempre ambíguo: na segunda fala de paz, na terça fala de guerra, na quarta fala de paz, na quinta fala de guerra... Ou seja, ele não renunciou à guerra como política para derrotar a insurgência ou à fórmula da guerra para gerar legitimidade e apoio para a competição eleitoral. Há um cálculo político cotidiano e, com certeza, o panorama político que se configurará até novembro determinará se a bandeira para a sua campanha será a paz ou a guerra.

OM: Como o movimento avalia o posicionamento das FARC e do ELN na mesa de diálogo?
DF: Em primeiro lugar há uma coisa que é importante observar: a maior parte das propostas que eles apresentaram foi produto de fóruns que feitos na Colômbia – um fórum de desenvolvimento agrário e outro sobre participação política, ambos promovidos pela ONU e pela Universidade Nacional e convocados pela mesa de diálogo. Ou seja, mostra uma atitude de escutar o que dizem os movimentos sociais para propor não apenas a sua própria posição, mas também o que outros setores da sociedade colombiana buscam. Isso me parece muito significativo. Em segundo lugar, o fato de que a insurgência declarou uma trégua unilateral no final do ano passado e começo desse ano demonstra um gesto humanitário, um gesto de ambientação da paz, sem sombra de dúvidas importante.

Em terceiro lugar, no marco de uma sociedade tão polarizada, na qual se estigmatiza tanto as posições e o que se busca é naturalizar o elemento político do conflito, acredito que é muito importante para a sociedade que conheça a guerrilha. Que se veja que não é esse ogro terrorista. Muitos não concordarão com suas ideias, mas que vejam quais são suas propostas políticos. Vínhamos de oito anos de (Álvaro) Uribe nos quais só se falava ‘os terroristas, os terroristas, os terroristas’... E a sociedade colombiana não sabia por que eles existiam e o que estavam propondo.

OM: Como o movimento avalia a participação de Noruega, Cuba, Venezuela e Chile como mediadores das conversações?
DF: É fundamental. Em um conflito como o colombiano, é necessário que eles possam cumprir esse papel de gerar confiança diante do diálogo e que possam efetivamente reprimir os momentos de crítica ao diálogo. Assim, o respaldo da comunidade internacional é fundamental.

OM: Como vocês avaliam a posição do Brasil diante do conflito?
DF: Sem dúvidas, o governo brasileiro precisa ser mais proativo na defesa da paz e tomar partido. A percepção que há desde os movimentos populares na Colômbia é que, é certo que o Brasil colaborou com helicópteros e elementos logísticos para facilitar as liberações de reféns, mas também é certo que hoje há uma série de acordos em termos militares que são muito fortes entre o governo colombiano e o governo brasileiro. Um dos aviões mais utilizados para bombardear constantemente os campos colombianos é o Tucano, que é de fabricação brasileira. E não estamos dizendo que não deve haver cooperação entre os governos, mas sim exigir que um governo que se vê diferente do de Santos tenha também elementos diferentes na forma de cooperação internacional.

OM: Então os movimentos populares da Colômbia esperavam mais de um governo de esquerda como o brasileiro
DF: Claro que sim. Por isso dizemos que (o Brasil) deveria ter um papel mais decisivo e promover uma cooperação diferente com o governo colombiano visando a paz. Não está muito claro se (o governo brasileiro) está pela paz ou se respalda a política de Santos que, ainda que internacionalmente pareça ser uma política pacífica, na realidade, em grande medida, uma política de guerra.

FONTE: OperaMundi

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Operação Condor: laço entre Videla e Geisel é revelado em investigação sobre morte de Goulart

Ditadores argentino e brasileiro trocaram cartas antes e depois da morte do presidente derrubado por um golpe militar


Jorge Videla cumpriu o papel que dele se esperava na Operação Condor, o pacto terrorista que há 27 anos ocupou um capítulo importante na agenda argentina com o Brasil. O ditador Ernesto Geisel recebeu de bom grado a “nova” política externa do processo de reorganização nacional (e internacional), tal como se lê nos documentos, em sua maioria secretos, até hoje, obtidos pela Carta Maior.


Carta Maior

“Foi com a maior satisfação que recebi, das mãos do excelentíssimo senhor contra-almirante César Augusto Guzzetti, ministro de Relações Exteriores, a carta em que Sua Excelência teve a gentileza de fazer oportunas considerações a respeito das relações entre nossos países...que devem seguir o caminho da mais ampla colaboração”.

A correspondência de Ernesto Beckman Geisel dirigida a Videla exibe uma camaradagem carregada de adjetivos que não era característico desse general, criado numa família de pastores luteranos alemães.

“O Brasil, fiel a sua História e ao seu destino irrenunciavelmente americanista, está seguro de que nossas relações devem basear-se numa afetuosa compreensão...e no permanente entendimento fraterno”, extravasa Geisel, o mesmo que havia reduzido a quase zero as relações com os presidentes Juan Perón e Isabel Martinez, quando seus embaixadores na Argentina pareciam menos interessados em visitar o Palácio San Martin do que frequentar cassinos militares, trocando ideias sobre como somar esforços na “guerra contra a subversão”.

A carta de Geisel a Videla, de 15 de dezembro de 1976, chegou a Buenos Aires dentro de uma “mala diplomática”, não por telefone, como era habitual. No documento consta “secreto e urgentíssimo”, ao lado dessa nota.

Em 6 de dezembro de 1976, nove dias antes da correspondência de Geisel, o presidente João Goulart havia morrido, em seu exílio de Corrientes, o qual, de acordo com provas incontestáveis, foi um dos alvos prioritários da Operação Condor no Brasil, que o espionou durante anos na Argentina, no Uruguai e na França, onde ele realizava consultas médicas por causa de seu problema cardíaco.

Mais ainda: está demonstrado que, em 7 de dezembro de 1976, a ditadura brasileira proibiu a realização de necropsia nos restos do líder nacionalista e potencial ameaça, para que não respingassem em Geisel a parada cardíaca de origem incerta.

Não há elementos conclusivos, mas suspeitas plausíveis, de que Goulart foi envenenado com pastilhas misturadas entre seus medicamentos, numa ação coordenada pelos regimes de Brasília, Buenos Aires e Montevidéu, e assim o entendeu a Comissão da Verdade, da presidenta Dilma Rousseff, ao ordenar a exumação do corpo enterrado na cidade sulista de São Borja, sem custódia militar, porque o Exército se negou a dar-lhe há 10 dias, depois de receber um pedido das autoridades civis.

Carta

Geisel escreveu em resposta a outra carta, de Videla (de 3 de dezembro de 1976), na qual ele se dizia persuadido de que a “Pátria...vive uma instância dinâmica no plano das relações internacionais, particularmente em sua ativa e fecunda comunicação com as nações irmãs”.

“A perdurável comunidade de destino americano nos assinala hoje, mais do que nunca, o caminho das realizações compartilhadas e a busca das grandes soluções”, propunha Videla, enterrado junto aos crimes secretos transnacionais sobre os quais não quis falar perante o Tribunal Federal N1, onde transita o mega processo da Operação Condor.

Os que estudaram essa trama terrorista sul-americana sustentam que ela se valeu dos serviços da diplomacia, especialmente no caso brasileiro, onde os chanceleres teriam sido funcionais aos imperativos da guerra suja. Portanto, esse intercâmbio epistolar enquadrado na diplomacia presidencial de Geisel e Videla, pode ser lido como um contraponto de mensagens cifradas sobre os avanços do terrorismo binacional no combate à resistência brasileira ou argentina. Tudo em nome do “interesse recíproco de nossos países”, escreveu Videla.

Em dezembro de 1976, 9 meses após a derrubada do governo civil, a tirania argentina demonstrava que, além de algumas divergências geopolíticas sonoras com o sócio maior, havia de fato uma complementariedade das ações secretas “contra a subversão”. Assim, pouco após a derrubada de Isabel Martínez, o então chanceler brasileiro e antes embaixador em Buenos Aires, Francisco Azeredo da Silveira, recomendou o fechamento das fronteiras para colaborar com Videla, para impedir a fuga de guerrilheiros e militantes argentinos.

Por sua parte, Videla, assumindo-se como comandante do Condor celeste e branco, autorizava o encarceramento de opositores brasileiros, possivelmente contando com algum nível de coordenação junto aos adidos militares (os mortíferos “agremiles”) destacados no Palácio Pereda, a mansão de linhas afrancesadas onde tem sede a missão diplomática na qual, segundo versões, havia um número exagerado de armas de fogo.

Entre março, mês do golpe, e dezembro de 1976, foram sequestrados e desaparecidos na Argentina os brasileiros Francisco Tenório Cerqueira Júnior, Maria Regina Marcondes Pinto, Jorge Alberto Basso, Sergio Fernando Tula Silberberg e Walter Kenneth Nelson Fleury, disse o informe elaborado pelo Grupo de Trabalho Operação Condor, da Comissão da Verdade. O organismo foi apresentado por Dilma perante rostos contidamente iracundos dos comandantes das Forças Armadas, os únicos, entre as centenas de convidados para a cerimônia, que evitaram aplaudi-la.

Ao finalizar o ato realizado em novembro de 2011, o então secretário de Direitos Humanos argentino Eduardo Luis Duhalde, declarava a este site que um dos segredos melhor guardados da Operação Condor era a participação do Brasil e a sua conexão com a Argentina, e que essa associação delituosa só será revelada quando Washington liberar os documentos brasileiros com a mesma profusão com que liberou os documentos sobre a Argentina e o Chile.

Pistas diplomáticas

Averiguar até onde chegou a cumplicidade de Buenos Aires e Brasília será mais difícil depois do falecimento de Videla, mas não há que se subestimar as pistas diplomáticas.

Em 6 de agosto de 1976, um telefonema “confidencial” elaborado na embaixada brasileira informa aos seus superiores que o ministro de Relações Exteriores Guzzetti falou sobre a “nova” política externa vigente desde que “as forças armadas assumiram o poder” e a da vocação de aproximar-se mais do Brasil, após anos de distanciamento.

Ao longo de 1976, os chanceleres Azeredo da Silveira e Guzzetti mantiveram reuniões entre si e com o principal fiador da Condor, Henry Kissinger que, segundo os documentos que vieram a público há anos a pedido do “Arquivo Nacional de Segurança” dos EUA, recomendou a ambos ser eficazes na simulação no trabalho de extermínio dos inimigos.

“Nós desejamos o melhor para o novo governo (Videla)...desejamos seu êxito...Se há coisas a fazer, vocês devem fazê-las rápido...”, recomendou o Prêmio Nobel da Paz estadunidense, ao contra-almirante e chanceler Guzzetti, em junho de 1976.

domingo, 19 de maio de 2013

JAIME WRIGHT POR DOM PAULO EVARISTO ARNS

"Éramos dois contratados de Deus"

JOSÉ MARIA MAYRINK (Jornal do Brasil - 13/6/99)

SÃO PAULO - Campeão da defesa dos direitos humanos durante os anos da ditadura militar, o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito (aposentado) de São Paulo, fala com gratidão da colaboração que recebeu, nessa luta, do reverendo Jaime Wright, pastor da Igreja Presbiteriana Unida. "Éramos duas pessoas contratadas por Deus para uma missão humanitária que fosse útil para a história do Brasil", disse Dom Paulo ao JORNAL DO BRASIL, referindo-se ao trabalho que fizeram juntos em defesa dos perseguidos políticos.

Dom Paulo conheceu Jaime Wright em 1975, quando o pastor representou sua igreja no culto ecumênico celebrado em memória do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nos porões do DOI-Codi. Tornaram-se amigos, trabalharam juntos durante quase 10 anos e coordenaram o projeto Brasil: nunca mais, dossiê que documentou e denunciou prisões, torturas e mortes no país. Na semana que antecedeu sua morte, ocorrida na manhã de 29 de maio, Wright ligou duas vezes para a casa de Dom Paulo. Queria checar informações com a secretária para a biografia do cardeal, que ele estava ajudando a escrever.

- O senhor disse que o reverendo Jaime Wright era seu bispo auxiliar para direitos humanos. Como eram suas relações com um pastor presbiteriano?

- Depois que a Igreja Presbiteriana liberou o reverendo Jaime Wright para trabalhar em favor dos perseguidos pela repressão, ele se fixou num gabinete ao lado do meu, na Cúria
Metropolitana. Durante quase 10 anos, deu tempo integral à defesa das pessoas. Nos casos mais complicados, eu encaminhava as pessoas a ele, pela porta dos fundos, dizendo que as levava para meu bispo auxiliar.

- Como o senhor conheceu o reverendo Wright?

- Foi no dia em que fizemos o ofício fúnebre por Vladimir Herzog, na Catedral de São Paulo, em

1975. Eu havia pedido que as denominações cristãs designassem alguém, e isso incluiu os protestantes. Do mesmo jeito, também pedi que houvesse um rabino, porque Vladimir era judeu. Jaime Wright então se apresentou. Foi a primeira vez que eu tive contato pessoal com ele. Não houve mais praticamente um só dia em que não nos falássemos de uma maneira ou outra - ou diretamente na Cúria ou por telefone. Trabalhamos mais de nove anos lado a lado, como dois irmãos ligados pelo sangue e pelos ideais de defesa dos direitos humanos.

- O irmão dele, o deputado Paulo Wright, já havia desaparecido nessa época?

- O deputado havia sido morto antes de 1973, mas nós não sabíamos. Sempre havia novas notícias, espalhadas por maldade, dizendo que ele estava vivo. Disseram, por exemplo, que ele estava no Chile. Deram até o endereço. O Jaime foi a Santiago - para a rua tal, número tal, que existiam -, mas lá não havia ninguém chamado Paulo Wright. Outra vez, enganaram o Jaime,para que ele fosse para a Amazônia. Disseram que Paulo Wright estava no Araguaia. Ele foi checar. Jaime Wright foi infatigável na procura do irmão.

- Foi a morte do irmão que levou o reverendo Wright a se envolver na luta em defesa dos perseguidos políticos?

- Houve mais do que isso. Cada vez que tinha de falar em público - e nós fizemos muitas celebrações ecumênicas, nas quais ele falava em nome de seus colegas de diversas denominações -, Jaime falava dos Salmos e de trechos bíblicos que se referem a pessoas que sofrem ou que desaparecem. Era convicção religiosa, além de um dever de irmão e de parente.

- O reverendo Wright correu risco de ser preso?

- Jaime nunca me comunicava as coisas que ocorriam com ele. Essa era uma das grandes qualidades dele. Sempre me comunicava coisas que podiam dar coragem, que podiam animar. Às vezes, ele me advertia de que podia haver perigo em tal e tal lugar, ou de que podia haver uma trama contra nós dois. Nenhuma vez falou de perseguição contra ele. Ele me pediu que deixasse a questão da segurança por conta dele. "Isso importa pouco, depois que meu irmão morreu", era o que dizia.


- O senhor chegou a sofrer ameaças e tomava cuidados especiais para evitar atentados. Isso foi no governo do general Medici?

- Foi no fim do governo Medici e no começo do governo Geisel. Mas aí eu tinha uma pessoa de ligação, que era o general Golbery (do Couto e Silva). O general Golbery me atendia a toda hora e em qualquer situação. Ele dizia à secretária que passasse o telefone imediatamente para ele quando a ligação viesse do cardeal de São Paulo. E ele me disse uma vez: "Tudo o que o senhor me falou até hoje eu fui verificar e nunca vi um engano em suas informações". O general Golbery era muito exato, muito inteligente e muito vivo.

- Então, quando o senhor disse a Golbery que havia atrocidades e torturas, ele admitiu?

- Uma vez ele nos recebeu, com mais de 30 familiares, junto com um advogado, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília. Passou a tarde inteira ouvindo relatos. Até relatos de companheiros de armas, portanto de militares que haviam sido afastados pela revolução. Quando entrou no carro, me fez um sinal para ouvir perto, baixou o vidro e disse: "Dom Paulo, nunca imaginei que, enquanto nós estamos no governo, continuem a perseguição, as prisões arbitrárias e a tortura".

- Golbery prometeu acabar com a tortura?

- Uma vez, encontrei-me com ele no Rio, antes da posse de Geisel, na casa do irmão de Dom Luciano (o professor Cândido Mendes, irmão de Dom Luciano Mendes de Almeida, ex- presidente da CNBB), durante cinco horas. Ele abriu o coração, dizendo que Geisel e ele eram contra a tortura, mas que seria muito difícil acabar com ela, porque era praticada por um grupo muito fechado.

- Quando acabou a censura à imprensa, Geisel manteve a censura ao jornal O São Paulo, dizendo que enquanto ele tivesse poder o senhor sentiria o peso de sua força?

- É verdade e há mais. Geisel não dava entrevista pública, mas uma vez chamou cinco jornalistas e um deles, que era cearense, tomou um avião e foi procurar Dom Aloísio Lorscheider, arcebispo de Fortaleza, para lhe comunicar o que Geisel havia dito. O que o general disse foi o seguinte: "A Dom Paulo eu não perdôo aquilo que ele fez, e nunca o jornal O São Paulo vai ficar livre nem Dom Paulo vai poder falar como os outros, porque não suporto aquele homem". O jornalista ficou tão impressionado com o tom e com a maneira de ele dizer, que foi falar com Dom Aloísio e ele veio a São Paulo me avisar.

- Qual foi a participação de Jaime Wright no projeto Brasil: nunca mais?

- Posso até mostrar o lugar na Cúria onde nós dois estávamos conversando sobre as conseqüências do golpe militar, quando um disse para o outro, não sei mais quem tomou a palavra: "Isso tudo vai ser esquecido na próxima geração, como foi esquecido tudo o que o Getúlio praticou no tempo dele - e foram horrores". Jaime Wright observou que, melhor do que fazer um relatório pessoal, seria copiar processos para saber o que se fez com essas pessoas (as vítimas). Nos processos, os presos disseram como eram torturados, por quem eram torturados, quanto tempo eram torturados, e revelavam outras coisas a respeito do tratamento que recebiam e do motivo das prisões.

- Daí surgiu a idéia do livro Brasil: nunca mais?

- Combinamos que iríamos pagar sete advogados para requisitar os processos e tirar cópias de todos os depoimentos. Pagamos o papel, pagamos tudo. Dissemos que precisávamos dos processos de São Paulo, Rio, Belo Horizonte e, sobretudo, dos processos de Brasília. Calculamos que chegamos a copiar 93% de todos os processos feitos por quatro juízes militares e um juiz togado, com a assinatura do declarante. Era, portanto, uma coisa oficial, uma coisa dita diante dos juízes. Quando tivemos todo esse material - eram mais ou menos 1 milhão de páginas, guardadas hoje na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) -, conseguimos fazer com que os processos fossem estudados e que deles fossem tirados os dados que nos interessavam - motivos de prisão, organizações de esquerda, torturas, tipos de torturas, e também as ameaças às pessoas mais visadas. Só nós dois, Jaime Wright e eu, sabíamos do projeto. As outras pessoas só recebiam a incumbência de fazer tal ou tal coisa para o cardeal de São Paulo.

- Quem financiou o projeto?

- Não havia dinheiro para pagar as pessoas que trabalhavam em tempo integral no levantamento dos dados. Como eu falei que não poderia pedir à Igreja aqui no Brasil, porque logo viriam as suspeitas, Jaime Wright disse que tinha um grande amigo, chamado Harber, o ecônomo do Conselho Mundial das Igrejas, que poderia nos ajudar. Assim obtivemos os meios suficientes para pagar as pessoas que trabalhavam para nós, com o mínimo de despesas possível.

- Wright estava colaborando numa biografia sua. Ele fez entrevistas com o senhor ou usou as informações que tinha para orientar as autoras do livro?

- Eu não sabia que estavam escrevendo minha vida. Sobretudo, não sabia que o reverendo Wright estava tão interessado em conservar a ação que eu tinha feito. Eu é que estava mais preocupado em preservar tudo o que ele havia feito comigo, para agradecer a colaboração dos presbiterianos. A Universidade Presbiteriana de Dubuque, nos Estados Unidos, deu um doutorado (título de doutor honoris causa) a nós dois por causa do projeto Brasil: nunca mais. Uma coisa que nunca haviam feito a um católico, fizeram a mim, certamente por influência dele. Eu sabia que Jaime Wright me queria um imenso bem, assim como eu queria um bem tão grande a ele, que ultrapassa toda medida humana. Mas nunca soube que ele estava participando do livro, senão nesses últimos meses. Nunca falei com ele a respeito. Ele nunca me consultou.

- Depois do fim da ditadura, o reverendo Wright continuou, como o senhor, preocupado com a violência?

- Ele estava muito preocupado com todo o Brasil. Nunca manifestou adesão a partido político, a um movimento. Trabalhava sempre a favor do povo. Nunca fez parte da Comissão Justiça e Paz. Poucas vezes foi à Comissão Santo Dias, que tinha cinco advogados para cuidar das crianças da rua e do socorro imediato ao povo. Mas sempre fez parte da comissão que preparava o povo para se defender, a pastoral dos direitos humanos. Gostava da idéia uma vez exposta por Mário Carvalho de Jesus (do Movimento pela Não-Violência, em São Paulo) e por Adolfo Perez Esquivel (Prêmio Nobel da Paz) de que em cada bairro deveria haver um grupo de defesa dos pobres, que são enganados em seus direitos fundamentais, sobretudo em relação aos direitos humanos.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

STF oficializa absolvição de 12 réus no processo do mensalão

Brasília – Doze réus da Ação Penal 470, o processo do mensalão, foram oficialmente absolvidos hoje (3). A informação foi divulgada no sistema de acompanhamento processual do Supremo Tribunal Federal (STF). O caso dos réus “está transitado em julgado”, já que o Ministério Público Federal (MPF) não recorreu da decisão até ontem (2), quando terminou o prazo para os embargos declaratórios na Suprema Corte.


A decisão garante a absolvição do ex-ministro dos Transportes, Anderson Adauto Pereira; do ex-chefe de gabinete do Ministério dos Transportes, José Luiz Alves; do ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Luiz Gushiken; da gerente financeira da SMP&B, Geiza Dias dos Santos; da ex-assessora parlamentar, Anita Leocádia Pereira da Costa; do ex-assessor do PL, Antônio de Pádua de Souza Lamas; da ex-vice presidente do Banco Rural, Ayanna Tenório Tôrres de Jesus; do publicitário Duda Mendonça e sua sócia Zilmar Fernandes Silveira; e dos ex-deputados João Magno (PT-MG), Paulo Rocha (PT-PA) e Professor Luizinho (PT-SP).


Ontem, mesmo sem ter sido condenado pelo STF, o empresário Carlos Alberto Quaglia recorreu da decisão. Seu caso foi encaminhado para a Justiça Federal de primeira instância logo no início do julgamento porque houve problemas processuais na tramitação no Supremo. Para o defensor público geral Haman Tabosa e Córdova, a Corte deve extinguir a acusação de formação de quadrilha, pois os demais réus acusados do mesmo crime foram absolvidos.


Além de Quaglia, todos os 25 réus condenados no julgamento apresentaram recursos ao STF. Os embargos declaratórios agora serão encaminhados ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Ele terá dez dias para se pronunciar. Depois dessa etapa, o relator e presidente do STF, Joaquim Barbosa, reúne todas as informações e prepara os recursos para levar a plenário. Barbosa informou que deve começar a avaliar os recursos a partir da próxima semana.


Após o julgamento dos embargos declaratórios, os condenados podem apresentar outro tipo de recurso, os embargos infringentes. Segundo o Regimento Interno do STF, os recursos que permitem pedido de novo julgamento só podem ser usados quando existem ao menos quatro votos pela absolvição. Os ministros ainda não decidiram se esse recurso é admissível, pois alguns acreditam que a ferramenta foi suprimida pela legislação comum.


Dos 40 réus iniciais, três não chegaram a passar pelo julgamento. Dos 37 julgados, 25 foram condenados e 12 absolvidos. A Corte decidiu que 11 deles devem cumprir a pena em regime inicialmente fechado, 11 em regime semiaberto, um em regime aberto e dois tiveram a pena substituída por medidas restritivas de direito, como pagamento de multa e proibição de exercício de função pública. Ao todo, as condenações somaram 273 anos, três meses e quatro dias de prisão, e as multas superaram R$ 20 milhões em valores ainda não atualizados.

FONTE: Por Heloisa Cristaldo - Agência Brasil | Yahoo! Notícias

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Venezuela prende norte-americano acusado de incitar violência pós-eleitoral

Timothy Hallet teria recebido financiamento de ONGs para que estudantes e jovens promovessem ações desestabilizadoras


Um norte-americano de 35 anos, identificado como Timothy Hallet Tracy, foi detido na Venezuela por suposto envolvimento em “planos desestabilizadores” do país. Segundo o ministro de Relações Interiores e da Venezuela, Miguel Rodríguez, o suspeito teria recebido financiamento de ONGs para que estudantes e jovens promovessem ações violentas no país.


Coletiva de imprensa concedida por Rodríguez:


“A missão era nos levar a uma guerra civil”, garantiu o ministro, afirmando que o objetivo final do plano de instabilidade seria provocar “a intervenção de uma potência estrangeira para colocar o país em ordem” e, segundo eles, “reestabelecer a democracia”. De acordo com Rodríguez, o financiamento teria relação com a onda de violência que se alastrou por vários Estados venezuelanos no dia seguinte à eleição presidencial que deu vitória a Nicolás Maduro. 

O ministro mencionou ainda que Hallet teria recebido treinamento como agente de inteligência. “Ele sabe trabalhar na clandestinidade e ganhar adeptos que possam defendê-lo em situações complicadas”, falou, explicando a relação do norte-americano com estudantes que conformam um movimento opositor denominado “Operação Soberania”, criado em janeiro deste ano, e que promoveu protestos com diferentes metodologias nos últimos meses. 

Antes do anúncio da morte de Hugo Chávez, membros do grupo se manifestaram com as mãos acorrentadas, para que as autoridades do país dissessem “a verdade sobre a saúde do presidente”. Antes da eleição de 14 de abril, acamparam em uma praça de um bairro nobre de Caracas e iniciaram uma greve de fome, em protesto contra o órgão eleitoral do país. Após as eleições, o grupo voltou a se reunir, denunciando “fraude” no pleito e exigindo a recontagem dos sufrágios. 


Gravação mostra supostos líderes estudantis de ultradireita organizando atos de desestabilização:
O Departamento de Estado dos EUA disse estar esperando informações sobre a situação de Hallet. Segundo a imprensa local, um amigo do norte-americano afirmou que ele é um cineasta que produzia um documentário. Rodríguez informou, no entanto, que 500 vídeos foram confiscados em uma operação, como provas de um plano denominado de “Operação Abril” pelo Sebin [Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional], que atua no caso. “Todos os indícios conseguidos sinalizam que o dia das eleições correria em plena normalidade, mas que a partir dos resultados emitidos pelo CNE haveria um desconhecimento por parte do candidato da direita”, afirmou, aludindo ao opositor Henrique Capriles. 

Desconhecimento

Na noite de quinta-feira, o ex-candidato anunciou, em entrevista ao canal privado Globovisión, que entrará com um recurso na Justiça para impugnar a eleição presidencial, a qual afirma ter ganhado. No dia seguinte às eleições, o ex-candidato convocou seus apoiadores a realizar um panelaço contra a proclamação de Maduro como presidente do país. Neste dia, atos de violência foram registrados em diferentes partes do país, com incêndios provocados e disparos, que culminaram na morte de pelo menos nove pessoas, a maior parte delas identificada com o chavismo.

"Todos os cenários indicavam isso, e informamos o alto comando do governo que já sabíamos que viria um desconhecimento [dos resultados eleitorais] e que iam gerar ações violentas e de rua, que aumentariam durante os dias, que iam gerar um espiral de violência com intenções de desestabilizar e deslegitimar o governo", garantiu Rodríguez. Após as mortes, o governo prometeu que os responsáveis pelos crimes cometidos serão condenados, e uma comissão de investigação foi anunciada pela Assembleia Nacional do país.


Em alusão a um dos vídeos apresentados por Rodríguez como prova do financiamento de estudantes para a promoção dos atos de violência pós-eleitoral, o coordenador do movimento estudantil Javu (Juventude Ativa Venezuela Unida), Ulises Rojas, afirmou membros do governo “são uns irresponsáveis”. “Agora difundem um vídeo no qual supostamente nós aparecemos organizando um golpe de Estado com membros da CIA”, disse. Segundo ele, o movimento espera instruções de Capriles para a realização de novas atividades da oposição: “Não vamos afrouxar”, concluiu.


Em comunicado, no qual qualificam o governo como “ilegítimo”, os integrantes do “Operação Soberania” respondem às acusações, afirmando: “Nós não nos escondemos atrás da violência. Somos transparentes, patriotas e firmes em nossas convicções”. No texto, o grupo pede que o governo “resolva a grande dúvida que os venezuelanos têm sobre os resultados de 14 de abril” e o fim do que consideram ser uma “perseguição aos estudantes”.

FONTE: OperaMundi