sexta-feira, 8 de março de 2013

Clara de todas as lutas - Marighella vive!

Clara Charf. (Foto: Estadão Conteúdo)
Quem a vê descendo do avião, vinda de um algum canto do país, dá um sorrisinho bom. Pois Clara Charf, com oitenta e sete anos, esbanja uma energia de fazer inveja a muitas garotas na casa dos vinte. É fato que hoje ela usa uma bengala e sua cabeleira é branca como a neve canadense. Conselheira emérita do CNDM -Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Clara contribui para as políticas, campanhas, programas que apoiam os direitos das brasileiras.

Ela explica: "Por toda a minha vida lutei para que as mulheres fossem livres. Que tivessem liberdade para dizer sim ou não. Liberdade para casar ou para ficar solteira. Para ter filhos ou para não tê-los. Liberdade para escolher a profissão que desejassem." No caso dela, o discurso está colado à prática. Ela foi aeromoça, bancária, tradutora, taquígrafa. Todos esses ofícios em uma época em que não era comum moças de classe média trabalharem fora de casa. 

Filha de Ester e Gdal, judeus russos, que imigraram para o Brasil fugindo da perseguição antissemita, Clara Charf passou a infância em Maceió e primeira juventude no Recife. Em 1946, resolveu tentar a vida e o sustento no Rio de Janeiro, então capital federal. Foi na cidade maravilhosa que arrumou emprego de aeromoça na Aerovias Brasil. Foi também no Rio que ela conheceu seu grande amor. "E único", ela frisa.


O amor respondia pelo nome de Carlos Marighella, o guerrilheiro que a ditadura militar transformou em inimigo número um. Na companhia dele, Clara conheceu a excitante vida da militância política e a dureza da clandestinidade. Foi uma das primeiras mulheres a terem seus direitos políticos cassados. Marighella foi assassinado em 1969 pela polícia paulista. Viúva e dolorida, ela partiu para o exílio de dez anos em Cuba, onde ganhou a vida como tradutora.

Retornou ao Brasil com a Anistia. Ela estava com 53 anos. Mergulhou na luta pela memória de Carlos Marighella e pela efetiva redemocratização do país. Foi uma das fundadoras do PT e trabalhou com a prefeita Luiza Erundina. Mas em nenhum momento se esqueceu da batalha das mulheres. Ela diz: "Sempre militei no movimento político e no movimento de mulheres. Acredito que essas duas frentes estão intimamente relacionadas. A mulher não está solta na história e nem a história existe sem a mulher."

Talentos de Clara

Clara Charf foi companheira de Carlos Marighella. (Foto: Estadão Conteúdo)

Um dos maiores talentos de Clara é falar em público. Convidada inúmeras vezes para se sentar à mesa de debates, a cabeleira branca derrama uma sedução irrecusável. Ela dá a receita: "Eu não escrevo nunca o que vou falar. Chego e observo quem são as pessoas na plateia. Jovens? Maduros? Trabalhadoras? Militantes? Aí vou me soltando e acaba dando certo." Esse poder de improvisação só é possível para quem tem dentro da cartola larga experiência.

Outro talento é o de contadora de histórias. E são muitas! Uma das mais saborosas foi sua participação na famosa campanha "O petróleo é nosso", que acabaria criando a Petrobrás. "Naquela época, início da década de 1950, era difícil envolver as mulheres em uma demanda política. Então fiquei sabendo que na fabricação do batom se usa um subproduto de petróleo. Ele que faz o produto se fixar nos lábios. Daí, eu perguntava para as moças se elas sabiam disso. Era uma forma de envolvê-las na campanha", Clara lembra morrendo de rir.

Na atualidade, Clara é presidenta da Associação Mulheres pela Paz, uma ONG com sede no centro de São Paulo. "Quando a gente fala de paz não é a quietude dos cemitérios. Acreditamos que paz é comida boa, moradia, educação, cultura. Paz como qualidade de vida para todos", ela explica com um jeitinho sedutor que encanta seus ouvintes. A Associação nasceu de um projeto que selecionou 1000 mulheres, em todo o mundo, para concorrer coletivamente ao Prêmio Nobel da Paz de 2005. "A sede do projeto é na Suíça. Fui convidada para coordenar os trabalhos no Brasil, onde 52 mulheres foram indicadas ao Prêmio."

Clara Charf durante ato para marcar os 35 anos de morte do militante Carlos Marighella, em 2004. (Foto: Estadão …
Um valor bem ressaltado nos trabalhos de Clara Charf é a expressão da diversidade. Entre as 52 brasileiras indicadas, havia doutoras, analfabetas, brancas, negras, amarelas. Gente da cidade e do campo. Diversidade significa inclusão e uma melhor divisão do poder. Clara conta: "Não levamos o Prêmio Nobel, mas seguimos com o trabalho. Editamos um livro "Brasileiras Guerreiras da Paz" com perfis das candidatas do Brasil e seguimos com seminários e exposições. Hoje, o grande desafio da Ong é incluir a participação dos homens no enfrentamento à violência doméstica. Pois a única maneira de acabar com a violência é envolver mulheres e homens na questão."

Lutar parece ser o verbo do coração de Clara Charf. Toda sua energia está na ação. Ela nunca deixa para o período da tarde o que pode resolver logo de manhã. De repente, esse é o segredo que mantém esta senhora ligada na tomada dos movimentos do mundo.

FONTE: Por Fernanda Pompeu | Yahoo! Brasil

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