Estamos aqui reunidos para reverenciar a memória de Sérgio Miranda, falecido em 26 de novembro passado. Desde esta data, muitos partidos, organizações, movimentos democráticos, populares e revolucionários, além de vários camaradas, companheiros, personalidades e amigos, manifestaram-se consternados por esta perda e destacaram diferentes aspectos de sua memorável figura de militante político e comunista, intelectual culto e inquieto, firme em seus princípios e amplo em suas ações, combativo e coerente, responsável e dedicado, que já o haviam transformado em uma referência política importante no contexto nacional e num dos principais dirigentes da esquerda brasileira. Militante crítico e aberto aos grandes dilemas e impasses da atualidade, sem sectarismo e sem o ativismo pequeno, estava completando 50 anos de militância, neste ano de 2012.
Sérgio nasceu em Belém do Pará, mudou-se ainda jovem para o Recife e, em seguida, foi morar com os avós em Fortaleza, onde se integrou no movimento estudantil com a idade de quinze anos. Na sua trajetória política, militou em vários estados, entre eles Bahia, São Paulo e Minas Gerais, este último a partir de 1977, onde fixou-se, em definitivo a partir de 1980.
Viveu longo tempo na clandestinidade com Cristina Sá, companheira – e também militante comunista – que o acompanhou até o final de sua vida, pois o início de sua atividade política coincidiu com a implantação da ditadura militar no país. Expulso da Universidade Federal do Ceará em 1969, por aplicação do decreto-lei 477, viveu, desde então, na clandestinidade, até o final dos anos 70, desempenhando com energia e destemor uma infinidade de atividades políticas na resistência revolucionária, popular e democrática à ditadura e na luta pelo socialismo. Foi militante e dirigente do Partido Comunista do Brasil por 43 anos, tendo, inclusive, papel crucial em sua rearticulação após o episódio que ficou conhecido como “chacina da Lapa”, no qual, teve a maior parte do seu Comitê Central dizimado, covardemente, pela repressão da ditadura e, do qual se afastou, em 2005, na busca da preservação da coerência entre o que pensava e as suas atitudes práticas.
Sérgio Miranda pertenceu àquela geração do pós-guerra intensamente engajada nas causas revolucionárias e socialistas, que se viu influenciada tanto pela chamada “guerra fria”, em que se defrontavam dois grandes campos: o capitalista-imperialista e o socialista, como pela eclosão de muitas revoluções de diversas colorações, em especial, socialistas e de libertação nacional, entre elas a chinesa, a argelina, a cubana e a vietnamita, que, em certo momento, que confrontaram abertamente a ordem capitalista mundial e vislumbraram a possibilidade de uma virada revolucionária.
Esta mesma geração também assistiu a crise e a derrocada do chamado campo socialista e o apogeu do triunfalismo político e ideológico do capitalismo, que pareceu varrer do planeta qualquer alternativa de mudança no status quo vigente, expressos na enorme disseminação da propaganda ideológica do capitalismo financeiro hegemônico como as doutrinas do “fim da história” e a de que “não existem alternativas” à ordem vigente, iniciadas, precocemente, com os sucessivos golpes militares na América Latina e que atingiram seu ápice com a era Reagan-Thatcher.
O movimento revolucionário defrontou-se, a partir de então, diante de enorme crise, que perdura até hoje.
Na avalanche reacionária que se seguiu e nas teorizações disseminadas pelos grandes meios de comunicação e acadêmicos das classes dominantes, procurou-se aniquilar a experiência histórica revolucionária das classes trabalhadoras e fazer tabula rasa da luta contra a exploração e a opressão, bem como uma guerra cerrada de desmoralização e desqualificação de sua principal expressão teórica, ideológica e política: o marxismo.
Era como tudo tivesse se movido de pernas para o ar e, para os revolucionários, tudo novamente se recolocasse: por onde recomeçar, o que fazer, que táticas e estratégias a adotar, que erros corrigir, que bandeiras levantar, que formas de lutas e organização adotar.
Poderíamos lembrar, a propósito, o poema do dramaturgo, poeta e militante comunista Bertolt Brecht, escrito nos anos 30, intitulado “Aos que hesitam”, que se inicia com os implacáveis versos:
“Você diz:
Nossa causa vai mal”.
E que se encerra com versos ainda mais implacáveis, pois descortina a verdadeira saída:
“Isso você pergunta. Não espere
Nenhuma resposta senão a sua.”
Sérgio Miranda conquistou o papel de referência entre todos que o conheceram porque nunca demonstrou hesitação em suas convicções ideológicas e políticas, não negou problemas, procurou enfrentá-los e contribuir com suas próprias respostas.
Trabalhava coletivamente, mantinha relações amplas, não cultivava rancores e não abria mão de princípios.
Nos últimos anos de sua vida foi um destacado parlamentar na Câmara dos Deputados, por Minas Gerais. Enfrentou uma crise política e pessoal dificílima quando considerou que tinha de se definir diante da ameaça institucional que pairava contra direitos fundamentais dos trabalhadores, de que se considerava – e era – um representante. Na sua avaliação serena, posicionou-se em defesa destes direitos, postura de que nunca se arrependeu.
Na sequência destes acontecimentos, participou ativamente de inúmeras articulações com partidos, movimentos e pessoas, que culminou no movimento popular pró-frente de unidade popular, um amplo esforço de busca de um programa mínimo de unidade de forças comprometidas com a criação de uma nova alternativa política para o país.
O momento é propício, pois o sistema imperialista, a partir sobretudo de 2008, arrasta povos e países numa nova crise sistêmica, como uma única certeza: superexploração, desemprego e destruição dos direitos sociais básicos. Diante de tais ameaças, assiste-se o ressurgimento gradual das movimentações sociais, dando um alento neste momento difícil da humanidade. O movimento democrático e popular, os partidos e dirigentes políticos, os intelectuais e o conjunto da militância e dos ativistas, enfim, todos os pioneiros sociais, diante de tais ameaças, precisam construir uma unidades cada vez mais sólidas em tornos de lutas e manifestações.
Não são muitos os quadros políticos, em termos nacionais, qualificados para desenvolver tal interlocução. Sérgio Miranda, indiscutivelmente, pela sua trajetória, grandeza, coerência e firmeza, era um deles.
Procuramos lembrar aqui, com franqueza e respeito à sua memória, aspectos centrais de seu legado. Conclamamos a todos a cultivar este legado. E, juntamente com os presentes, prestamos nossas homenagens revolucionárias a esta grande figura humana e engajada que foi Sérgio Miranda. Apresentamos, igualmente, nossos profundos sentimentos à companheira Cristina e aos demais familiares.
Sávio Bones
E-MAIL RECEBIDO DO SAUDOSO CAMARADA DANIEL VEIGA
E-MAIL RECEBIDO DO SAUDOSO CAMARADA DANIEL VEIGA
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