sábado, 1 de dezembro de 2012

José Saramago, 90 anos: “Ser comunista é um estado de espírito”


(Jorge Amado e José Saramago no Pelourinho em 1996. Foto de Zélia Gattai)
Uma pergunta perseguiu o Nobel de literatura português José Saramago (1922-2010) durante boa parte de sua vida: por que o senhor continua se dizendo comunista?, ouviu centenas de vezes. E sempre respondia: “Porque ser comunista ou ser socialista é um estado de espírito”. É algo que muita gente teima em não entender e confundir com partidos ou regimes fracassados… Sinto imensa saudade de Saramago.
Reproduzo um texto do escritor sobre o tema:
“Que significa hoje ser escritor comunista? À margem das distinções mais ou menos sutis que poderíamos fazer entre ser-se um escritor comunista e um comunista escritor (não é certamente o mesmo, por exemplo, ser-se jornalista comunista e comunista jornalista…), creio que a pergunta não vai dirigida ao alvo que mais importa. Pelo menos em minha opinião. Tiremos o escritor e perguntemos simplesmente: Que significa ser hoje comunista? Desmoronou-se a União Soviética, foram arrastadas na queda as denominadas democracias populares, a China histórica mudou menos do que se julga, a Coreia do Norte é uma farsa trágica, as mãos dos Estados Unidos continuam a apertar o pescoço de Cuba… Ainda é possível, nesta situação, ser-se comunista? Penso que sim. Com a condição, reconheço que nada materialista, de que não se perca o estado de espírito.
Ser-se comunista ou ser-se socialista é, além de tudo o mais, e tanto como ou ainda mais importante que o resto, um estado de espírito. Neste sentido, foi Ieltsin alguma vez comunista? Foi-o alguma vez Stalin? A epígrafe que pus em Objeto Quase, tirada de A Sagrada Família, contém e explica de modo claro e definitivo o que estou a tentar exprimir. Dizem Marx e Engels: ‘Se o homem é formado pelas circunstâncias, é necessário formar as circunstâncias humanamente’. Está aqui tudo. Só um ‘estado de espírito comunista’ pode ter presente, como regra de pensamento e de conduta, estas palavras. Em todas as circunstâncias.”
(jornal Público, 10/10/1998)
Em 2008, Saramago foi sabatinado pelo jornal Folha de S.Paulo e declarou o seguinte sobre a “pergunta inevitável”:
“Como é que depois da queda da União Soviética, do derrubamento do muro de Berlim, dos processos de Moscou, da invasão da Hungria, como você continua a ser comunista? Eu poderia responder perguntando: ‘Você é católica? Como é que continua católica após a Inquisição?’ Mas disse: eu sou aquilo que se podia chamar ‘um comunista hormonal’. O que isso quer dizer? Da mesma maneira que tenho no corpo um hormônio que me faz crescer a barba, há outro hormônio que me obriga, mesmo que eu não quisesse, por uma espécie de fatalidade biológica, a ser comunista. é muito simples. Mais tarde, comecei a dizer que ser comunista é um estado de espírito. E é. Pode-se ler Marx, as obras mais importantes que Lenin escreveu, mas no fundo, no fundo, é um estado de espírito. (…) Marx nunca teve tanta razão como agora.”
E, por fim, por que o socialismo não deu certo, Saramago?
“O socialismo não se pode construir nem contra os cidadãos nem sem os cidadãos, e por isto não ter sido entendido é que a esquerda é hoje um campo de ruínas onde, apesar de tudo, uns quantos ainda teimam em buscar e colar fragmentos das velhas ideias com a esperança de poderem criar algo novo… ‘Irão consegui-lo?’, perguntaram-me, e eu respondi: ‘Sim, um dia, mas eu já cá não estarei para ver…’
(Cadernos de Lanzarote, volume V)


FONTE: http://www.socialistamorena.com.br/

Um comentário:

  1. Olá!!Lucino vim agradecer sua visita e por ser um seguidor do Perseverânça, seja sempre bem vindo.
    Falando da sua página, menino!!!que espetáculo, tem de tudo, mas essa sua postagem com a foto de 1996, você está de parabéns,é raro na internet encontrarmos texto em harmonia com a imagem.
    Muito bom mesmo, deixo um abraço fraterno.
    NIcinha

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